O Primeiro Terreiro de Umbanda no Brasil – Um Marco na História da Religião Afro-Brasileira

A Umbanda é uma religião brasileira que tem suas raízes nas tradições africanas trazidas ao Brasil durante o período colonial. Com uma mistura de crenças africanas, indígenas e espíritas, a Umbanda se tornou uma das principais religiões afro-brasileiras, com milhões de seguidores em todo o país. O surgimento do primeiro terreiro de Umbanda no Brasil representa um marco importante na história dessa religião e de suas práticas espirituais.

As Raízes da Umbanda no Brasil

A história da Umbanda no Brasil está intimamente ligada à chegada dos escravos africanos ao país. Com eles, vieram as tradições religiosas e espirituais africanas, que foram preservadas e adaptadas ao novo contexto brasileiro. Durante o período colonial, essas tradições se misturaram com as crenças indígenas e as práticas espíritas trazidas por imigrantes europeus, dando origem a uma nova forma de religião que viria a ser conhecida como Umbanda.

O Primeiro Terreiro de Umbanda

O primeiro terreiro de Umbanda conhecido no Brasil foi fundado em 1908, na cidade de Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Conhecido como Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, o terreiro foi fundado pelo médium Zélio Fernandino de Moraes, que afirmou ter recebido a orientação do espírito do Caboclo das Sete Encruzilhadas para fundar uma nova forma de culto espiritual.

Este evento significativo é amplamente abordado na literatura dedicada à Umbanda, encontrando-se em livros, revistas, páginas da internet e trabalhos acadêmicos, como artigos, dissertações e teses. Além disso, o reconhecimento oficial pelo poder público é evidenciado por várias homenagens de Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas a Zélio Fernandino de Moraes, bem como pela promulgação da Lei 12.644, de 17 de maio de 2012, pela Presidência da República, que estabelece o dia 15 de novembro como o Dia Nacional da Umbanda, a ser celebrado anualmente em todo o país. (Leia aqui o texto)

Em 15 de novembro de 1908, durante uma sessão na Federação Espírita do Rio de Janeiro, o jovem Zélio Fernandino de Moraes, com 17 anos na época, foi levado devido a um grave problema de saúde. Nessa ocasião, ocorreu a primeira manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas. Durante a sessão, diversos espíritos de negros escravos e indígenas se manifestaram nos médiuns presentes, sendo convidados a se retirar pelo dirigente José de Souza (Zeca), que os considerava espiritualmente, culturalmente e moralmente atrasados. O Caboclo das Sete Encruzilhadas, enviado por Santo Agostinho, defendeu as entidades presentes, alegando discriminação com base em diferenças de cor e classe social, características inerentes aos espíritos enquanto encarnados nas normas sociais terrenas.

Os responsáveis pela reunião espírita tentaram afastar o próprio Caboclo das Sete Encruzilhadas. Foi então que ele advertiu que, se não fosse permitida a manifestação dos espíritos considerados atrasados, especialmente os de negros e índios, ele mesmo fundaria, na noite seguinte, na residência de Zélio Fernandino de Moraes, um novo culto. Nesse espaço, essas entidades teriam a oportunidade de realizar suas atividades caritativas. Ao ser questionado sobre a adesão a esse culto, a resposta veio de forma profética: “Colocarei no topo de cada montanha que circunda Neves uma trombeta tocando, anunciando a presença de uma Tenda Espírita onde o Preto e o Caboclo possam trabalhar”.

No dia seguinte, às 20 horas de 16 de novembro de 1908, diante de uma pequena multidão composta por amigos, parentes, curiosos e kardecistas que estiveram presentes na sessão anterior, o Caboclo das Sete Encruzilhadas se manifestou novamente. Ele declarou o início de um novo culto espírita, no qual Pretos Velhos e Caboclos teriam a oportunidade de realizar seus trabalhos espirituais.

Determinou que a característica central do culto seria a humildade voltada para a prática da caridade. Estabeleceu que o culto teria como base o Evangelho Cristão, com Jesus como o mestre supremo. Definiu que o uniforme usado pelos médiuns deveria ser branco e estipulou que todos os atendimentos seriam gratuitos. Com essas diretrizes, Zélio Fernandino de Moraes fundou a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, destinada a acolher todos os necessitados, em uma analogia ao abraço de Maria ao Cristo.

Seguindo as instruções do Chefe, termo carinhosamente utilizado para se referir ao Caboclo das Sete Encruzilhadas, e outras Entidades que posteriormente se manifestaram por meio de Zélio Fernandino de Moraes, incluindo Pai Antônio (Preto Velho) e Orixá Malet, consolidou-se o rito umbandista. Mais de cem anos depois, esse rito ainda é praticado na Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, agora localizada no município de Cachoeiras do Macacu, no Estado do Rio de Janeiro.

Considerando a diversidade das práticas umbandistas observadas atualmente, que frequentemente apresentam graus variados de sincretismo com outras tradições religiosas, especialmente o candomblé, é evidente que o ritual ainda realizado na Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade preserva a matriz original estabelecida pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, marcando a dissidência formal em relação ao espiritismo kardecista.

Nesse contexto, a denominação de “espiritismo de umbanda”, conforme expresso por Zélio Fernandino de Moraes, faz sentido. Isso indica uma prática fundamentada na incorporação mediúnica de Entidades, estabelecida doutrinariamente com base nas orientações dos próprios espíritos, em sintonia com os princípios delineados por Kardec em obras como “O Evangelho segundo o Espiritismo”, “O Livro dos Espíritos”, “O Livro dos Médiuns” e “A Gênese”. Este enfoque ritualístico se diferencia significativamente das práticas realizadas nas diversas Federações Espíritas Kardecistas.

Dessa forma, não são adotadas práticas comuns em outras congregações umbandistas, como o uso de atabaques, palmas, danças, ou Sessões dirigidas por Exus. Porém, durante os trabalhos, são desenhados no chão os Pontos Riscados com giz de pemba, além de velas, flores e bebidas específicas de cada Linha de trabalho. As vozes dos participantes ecoam no ambiente entoando os Pontos Cantados, características distintivas da Umbanda.

O Legado da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade

Após a estruturação inicial da Umbanda, Zélio Fernandino de Moraes determinou a criação de outras sete Tendas, formadas a partir do corpo mediúnico da Tenda da Piedade, e da Federação Espírita de Umbanda, hoje conhecida como União Espiritista de Umbanda do Brasil (UEUB). Essas Tendas foram estabelecidas com a missão de difundir os ensinamentos do Chefe, enfatizando a prática da humildade e da caridade. As seguintes Tendas foram fundadas: (1918) Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição, (1927) Tenda Espírita Nossa Senhora da Guia, (1933) Tenda Espírita Santa Bárbara, (1935) Tenda Espírita São Pedro, Tenda Espírita São Jorge, Tenda Espírita São Jerônimo e (1939) Tenda Espírita Oxalá, algumas delas ainda ativas nos dias de hoje.

A partir dos anos 1940, as atividades da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade foram iniciadas na cidade do Rio de Janeiro, passando por diversos endereços, como a Rua Teófilo Ottoni, Rua Borja Castro e Rua Dom Gerardo, que foram os locais que a abrigaram por mais tempo. Curiosamente, todas as sedes anteriores, incluindo a primeira, por onde a Tenda da Piedade já passou, foram demolidas.

Ao final da década de 1960, com o afastamento de Zélio Fernandino de Moraes da direção devido à sua idade avançada, os trabalhos da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade foram continuados de acordo com as instruções do Chefe e das Entidades responsáveis, sob a liderança de seus descendentes diretos. Inicialmente, suas filhas Zélia de Moraes Lacerda e Zilméa Moraes da Cunha assumiram a direção, sendo sucedida por sua filha, Lygia Maria Marinho da Cunha, por volta da primeira década do século XXI. Atualmente, a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade é dirigida por Leonardo Cunha, filho de Lygia, com o apoio de sua mãe, seu irmão Marcelo Cunha e o corpo de Babás da casa.

 O Reconhecimento Oficial da Umbanda

Em 1941, a Umbanda foi oficialmente reconhecida como uma religião no Brasil, garantindo-lhe proteção legal e liberdade de culto. Esse reconhecimento foi um marco importante na história da Umbanda, que passou a ser vista como uma parte integral da identidade espiritual e cultural do povo brasileiro.

Conclusão

O surgimento do primeiro terreiro de Umbanda no Brasil foi um marco histórico na evolução dessa religião afro-brasileira. A Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade estabeleceu as bases para a prática da Umbanda e promoveu o reconhecimento e a valorização da religião no contexto brasileiro. Seu legado perdura até hoje, influenciando a espiritualidade e a cultura do povo brasileiro e sendo uma fonte de inspiração para os praticantes da Umbanda em todo o país.

Questões mais Frequentes

O que é Umbanda?

A Umbanda é uma religião afro-brasileira que combina elementos das tradições africanas, indígenas e espíritas. Ela é baseada na crença em espíritos e na prática de rituais espirituais para promover cura, orientação e evolução espiritual.

Qual é a importância da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade para a Umbanda?

A Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade foi o primeiro terreiro de Umbanda conhecido no Brasil e desempenhou um papel fundamental na estabelecimento e difusão da religião. Seu legado influenciou a prática da Umbanda em todo o país e contribuiu para o reconhecimento e a valorização da religião no contexto brasileiro.

Como a Umbanda é vista no Brasil hoje?

A Umbanda é amplamente reconhecida e praticada no Brasil, com milhões de seguidores em todo o país. Ela é considerada uma parte integral da identidade espiritual e cultural do povo brasileiro, e é protegida legalmente como uma religião.

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